quinta-feira, setembro 24, 2009

22'

Quase a acabar o dia de hoje, a poucos mais outros de fechar os meus primeiros vinte e dois anos, tiro os vinte e dois minutos que dura um ritual que não partilho mas que vai bem com chá preto na caneca que “É de sermos tu e eu. / E de tu seres bonita” para dar conta destes dias.
Nesta varanda deste 5º andar virado para uma rua de Lisboa gosto de alinhavar coisas da vida, juntar umas pontas, desatar outras e dar uns nós nestas duas companhias. Faço-o assim, muitas vezes, em vinte e dois minutos. É mais ou menos o tempo que demorará para que o quarto crescente quase pousado no prédio do outro lado da rua desapareça por trás dele.
Os jornais diários dizem que as folhas deste ano levarão mais tempo a amarelar. O tempo ainda é quente de dia e a noite amena convida à solidão da varanda.
O regresso este ano foi inesperadamente tranquilo. Lisboa prometia-se menos fácil desta vez pelo Agosto diferente que me consumiu o verão e me levou ao mar mais fundo e ao deserto mais árido. Qual viagem sem regresso, é ir ao fundo deste mar mais profundo e experimentar o deserto mais árido para dizer do meu mês em Angola.
Bem sei que a poucos metros de onde me encontro haverá tanto ou mais sofrimento, tão ou mais árido, mas ir longe ver como sofrem os de lá que, sem alternativa, não escolheram nascer naquela terra só agora ávida de futuro, fez-me voltar diferente. Não se volta igual, é impossível. Os olhos vê(e)m outros.
Ir desprendida, comprometida, convicta dos motivos, ciente das dificuldades foi assinar um contrato de fidelidade com o Mundo. Um compromisso para a vida, como já há poucos.
Sem ver, por maior que seja a boa vontade que nos move, vive-se na permanente e fácil possibilidade de abandonar o ringue, saltar borda fora à primeira oportunidade para se voltar à vidinha que melhor ou pior se vai levando. Ir e voltar, despedaçada, não pelas feridas que se abrem mas pelas súplicas e clamores de auxílio que não têm fim nem número e que nos desintegram em mil pedaços compromete-nos de tal forma que pensar em se ceder à tentação de virar discretamente as costas, lavar diplomaticamente as mãos destes assuntos passa a envolver-nos num remorso permanente de não sermos nem fieis nem leais ao meninos que estranharam a nossa cor e o nosso cabelo, aos candengues que procuraram o nosso colo, aos velhos que esperaram a nosso interesse e a nossa palavra atenta, à gente que ficou na nossa própria ansiedade de voltarmos à terra onde mais podemos fazer por cada um.
Ir para lhes dar rosto e cor e nome e tom de voz e temperatura na pele e vida a correr-lhes nas veias e tempo na vida e carácter e defeitos e gestos e manias e gostos e sentido para não sermos mais precisos. Voltarmos para nos darmos verdadeira vida e rumo discernidos e caminhos firmes e com propósitos que são imprescindíveis e que deviam ser leis no mundo e levantarmos os olhos dos passos já insconscientes que damos consecutivamente um atrás de outro e sairmos da fila dos que lêem os problemas aos pés dos mesmos sem os dois passos atrás que os relativizariam.
Fui dar estes dois passoas atrás e caí de costas no (m)eu mar mais profundo e sequiosa experimentei o (t)eu deserto mais árido para voltar a adormecer a cada dia na urgência da tua canção ao meu ouvido.

Antes n/do deserto tu não sabias.

Mas se tu soubesses.

Dos meus sonhos.
Das minhas dores.

Do caminho que escolho e que me leva ao rio.


E do meu rio.

Dos meus trabalhos.


Dos meus medos.

Dos meus super poderes.

Das minhas poucas oportunidades para o mundo.

Mas da minha convicção.

E dos meus heróis.

Da minha fome.

Por me chamar Gabriel em Angola.

Dos meus segredos.

Das lutas que eu travo.

Das minhas mágoas.

Mas da Paz.

E da Esperança.