Há plásticos pretos nos postes dos candeeiros e luto académico na faculdade.
Um pé fora da porta e dá para perceber do ar que é quente e húmido e do céu cinzento está para chover. Água, ou assim. Quem dera, respostas.
Desço a Rua das Pretas, dói-me a cabeça e devo ter má cara porque ouvi um “Jeitosa!”, baixinho, entre dentes, de um sujeito, de bigode, escuro de sujidade e barba mal desfeita que se cruza comigo no passeio. Já dizia, há muito, a música: “São os loucos de Lisboa…”. Ainda eu não sei o quanto.
Estou a faltar a uma aula teórica sobre fármacos que modificam a transmissão opiácea e não me pesa.
Hoje saí de casa ainda a tempo de ver apagarem-se, de uma vez só, todas as lâmpadas dos postes de iluminação, ainda sem haver grande claridade. Não que hoje tivesse havido, de todo, grande claridade. Tem dias.
Resolvi-me, ainda agora, a voltar para casa de autocarro. O metro exige mais de mim do que hoje já me disponho a dar. Subo a Avenida da Liberdade. Não toda. Vou de phones com a Susana Félix a dizer-me que “enquanto vergo não parto, enquanto choro não seco” e há turistas chineses, a sorrir, de mochila às costas, na paragem do autocarro que entretanto chega.
Entro, valido o passe, há muita gente em pé e, com as mãos cheias de tralha, mando com o guarda-chuva em alguém que acaba a balbuciar meia dúzia de responsos.
Sigo e há dois pares de lugares vazios lá no fundo. Abro caminho e sento-me e há tanto trânsito e eu passo pelas brasas. Algumas paragens a seguir, não sei já quantas, entra um homem. Gordo, cabelo grisalho desalinhado. Aspecto geral normal apesar de descuidado. Idade aparente de uns 40 anos.
Aproxima-se para se sentar atrás de mim. Tem, agora mais de perto, caspa na camisola azul de gola redonda. Por todo o lado.
Senta-se, vasculha nuns sacos de plástico, rabisca umas coisas num caderno e quando não espero “Olhe, posso pedir-lhe uma informação?”. Eu “Claro, diga”. Tira, do saco, um sapato verde-escuro, acalcanhado e de atacadores. Não dou conta e ele, meio debruçado sobre o banco, aproxima de mim o sapato para que eu pudesse ver-lhe a palminha clara. Ele, arrastado, como se tivesse mimo na fala: “Isto está sujo ou está limpo?”. E eu “Está limpo!”. E ele “E é para sujar?”. E eu “Não, não é para sujar”. “Muito obrigado!”, “De nada.” e o sapato volta ao saco.
Hoje saí de casa ainda a tempo de ver apagarem-se, de uma vez só, todas as lâmpadas dos postes de iluminação, ainda sem haver grande claridade. Por esta altura já estão, outra vez, acesas. Dói-me a cabeça e não vejo a hora de aterrar na cama. Já não devo ter má cara. O caminho a pé até casa é tranquilo e, só por hoje, não finto os verdes e vermelhos nas cinco passadeiras consecutivas que habitualmente me consomem a paciência.
Hei-de descalçar-me e , a sorrir, analisar as minhas palmilhas. “Isto está sujo ou está limpo?”, “Está limpo!”. “E é para sujar?”…
“Não, não é para sujar”. Mas também tem dias.
Um pé fora da porta e dá para perceber do ar que é quente e húmido e do céu cinzento está para chover. Água, ou assim. Quem dera, respostas.
Desço a Rua das Pretas, dói-me a cabeça e devo ter má cara porque ouvi um “Jeitosa!”, baixinho, entre dentes, de um sujeito, de bigode, escuro de sujidade e barba mal desfeita que se cruza comigo no passeio. Já dizia, há muito, a música: “São os loucos de Lisboa…”. Ainda eu não sei o quanto.
Estou a faltar a uma aula teórica sobre fármacos que modificam a transmissão opiácea e não me pesa.
Hoje saí de casa ainda a tempo de ver apagarem-se, de uma vez só, todas as lâmpadas dos postes de iluminação, ainda sem haver grande claridade. Não que hoje tivesse havido, de todo, grande claridade. Tem dias.
Resolvi-me, ainda agora, a voltar para casa de autocarro. O metro exige mais de mim do que hoje já me disponho a dar. Subo a Avenida da Liberdade. Não toda. Vou de phones com a Susana Félix a dizer-me que “enquanto vergo não parto, enquanto choro não seco” e há turistas chineses, a sorrir, de mochila às costas, na paragem do autocarro que entretanto chega.
Entro, valido o passe, há muita gente em pé e, com as mãos cheias de tralha, mando com o guarda-chuva em alguém que acaba a balbuciar meia dúzia de responsos.
Sigo e há dois pares de lugares vazios lá no fundo. Abro caminho e sento-me e há tanto trânsito e eu passo pelas brasas. Algumas paragens a seguir, não sei já quantas, entra um homem. Gordo, cabelo grisalho desalinhado. Aspecto geral normal apesar de descuidado. Idade aparente de uns 40 anos.
Aproxima-se para se sentar atrás de mim. Tem, agora mais de perto, caspa na camisola azul de gola redonda. Por todo o lado.
Senta-se, vasculha nuns sacos de plástico, rabisca umas coisas num caderno e quando não espero “Olhe, posso pedir-lhe uma informação?”. Eu “Claro, diga”. Tira, do saco, um sapato verde-escuro, acalcanhado e de atacadores. Não dou conta e ele, meio debruçado sobre o banco, aproxima de mim o sapato para que eu pudesse ver-lhe a palminha clara. Ele, arrastado, como se tivesse mimo na fala: “Isto está sujo ou está limpo?”. E eu “Está limpo!”. E ele “E é para sujar?”. E eu “Não, não é para sujar”. “Muito obrigado!”, “De nada.” e o sapato volta ao saco.
Hoje saí de casa ainda a tempo de ver apagarem-se, de uma vez só, todas as lâmpadas dos postes de iluminação, ainda sem haver grande claridade. Por esta altura já estão, outra vez, acesas. Dói-me a cabeça e não vejo a hora de aterrar na cama. Já não devo ter má cara. O caminho a pé até casa é tranquilo e, só por hoje, não finto os verdes e vermelhos nas cinco passadeiras consecutivas que habitualmente me consomem a paciência.
Hei-de descalçar-me e , a sorrir, analisar as minhas palmilhas. “Isto está sujo ou está limpo?”, “Está limpo!”. “E é para sujar?”…
“Não, não é para sujar”. Mas também tem dias.