terça-feira, dezembro 30, 2008

"(...) Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. (...) Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer. Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive."
Procura-se um amigo, Vinicius de Moraes

sexta-feira, dezembro 26, 2008

À beira da decisão é sempre o lugar mais difícil de se estar.


Os dias que passaram são dos mais propícios do calendário aos desejos, aos votos, às intenções de qualquer coisa. Oferecem-se e recebem-se presentes, visita-se a família menos chegada e acolhe-se em casa quase sempre só aquela que é a mais querida. A televisão amolece-nos o coração com as carências e os rostos que parecem ausentes no resto do tempo e lá se faz a boa acção do Natal desse ano. Fazem-se votos de boas festas a quem se cruza connosco, força-se um perdão numa zanga antiga, põe-se uma nota maior na caixa das esmolas, deixam-se uns brinquedos à porta de uma instituição, não importa: à mesa da consoada faz-se por que sobeje mais do que comida e não falta o sossego na consciência. Ainda que as Boas Festas saiam não sentidas entre a pressa de chegar não sei onde e sacos de compras, que o perdão seja fugaz, que não se procurem os frutos das nossas esmolas ou se fique à porta da instituição, sem se entrar para não se conhecer. Posto assim nem é que soe mal de todo. Mas é possível mais!
Parece-me sempre que nem chegamos a dar na medida daquilo que recebemos. E como recebemos muito mais nesta altura damos mais mas acabamos a dar só um pouco mais do que no resto todo do ano. E os Natais sucedem-se fartos de coisas, pobres de sentido e iguais ano após ano.
Lembro-me, por exemplo, dos que tendo alternativa melhor escolhem passar a noite mais longa do ano com os sem-abrigo nas rondas nocturnas habituais que lhes garantem a refeição quente, completa e muitas vezes única do dia ou a servirem numa consoada improvisada que reúne numa tenda os que normalmente habitam os vãos de escadas, os passeios sob varandas, os cantos mais escondidos e envergonhados das cidades, os que são literalmente as margens da sociedade que somos todos. E digo margens e não marginais porque como as moedas nada neste mundo tem um só lado, um só e único sentido. Ser margem deixa de ser só estar à parte quando ao fazer-se experiência com estas margens nos fica a vontade de atracar, de ancorar e não mais seguir incauto num qualquer afluente que não é verdadeiro rio. E nunca vamos tarde!
Passada uma semana sobre o Natal chegará outro dia onde desejos, votos e intenções serão senhores a que brindaremos com taças cheias. Doze passas com doze desejos para os mais tradicionais ou corajosos ou optimistas. Doze passas para uma única resolução de Ano Novo para mim. Desta vez “pouco, pequeno e possível”, como ouvi há dias.
A ver se vou longe.

domingo, dezembro 21, 2008

2

nada entre nós tem o nome da pressa.
conhecemo-nos assim, devagar, o cuidado
traçou os seus próprios labirintos. sobre a pele
é sempre a primeira vez que os gestos acontecem. porém,

se se abrir uma porta para o verão, vemos as mesmas coisas –
o que fica para além da planície e da falésia; a ilha,
um rebanho, um barco à espera de partir, uma palavra
que nunca escreveremos. entre nós

o tempo desenha-se assim, devagar.
daríamos sempre pelo mais pequeno engano.

Maria do Rosário Pedreira

*

quarta-feira, dezembro 17, 2008

Embalo II

You're a part time lover and a full time friend. The monkey on you're back is the latest trend. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. Here is the church and here is the steeple. We sure are cute for two ugly people. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. We both have shiny happy fits of rage. I want more fans, you want more stage. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. You are always trying to keep it real. I'm in love with how you feel. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. I kiss you on the brain in the shadow of a train. I kiss you all starry eyed, my body's swinging from side to side. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. The pebbles forgive me, the trees forgive me. So why can't, you forgive me? I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. Du du du du du du dudu. Du du du du du du dudu. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Embalo.


Daydreamer, sittin’ on the seat / Soaking up the sun, he is a real lover, makin’ up the past and feeling up his girl like he’s never felt her figure before. / Jaw-dropper / Looks good when he walks, is the subject of their talks. / He would be hard to chase, but good to catch and he could change the world with his hands behind his back, Oh… You can find him sittin’ on your doorstep. / Waiting for the surprise. / It will feel like he’s been there for hours and you can tell that he’ll be there for life. Daydreamer, with eyes that make you melt, he lends his coat for shelter plus he’s there for you when he shouldn’t be, but he stays all the same, waits for you and then sees you through. There’s no way I could describe him / All I say is, just what I’m hoping for / But I will find him sittin’ on my doorstep / Waiting for the surprise /It will feel like he’s been there for hours / And I can tell that he’ll be there for life / And I can tell that he’ll be there for life.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

03 / 12 / 08

Tenho umas dezasseis semanas tão pouco mais curtas do que os dezasseis anos da minha mãe que não me quer! Vim à urgência com uma dor dela mas que era uma dor que ela não tinha. Só não me quer a mim e às minhas já seis semanas a mais do que as dez. Não me quer com as minhas dezasseis semanas e essa dor é já a minha dor. Alguém lhe explica que há seis semanas que não tenho as dez semanas que ela quer. Ela faz que não quer acreditar. Diz que não sabia de mim apesar da barriga que não engana ninguém. Não me engana a mim. Não engana ninguém. E espantam-se. Devolve com desprezo a minha primeira fotografia e vira costas. Onde vai? Para onde me carrega? Não sei se chegarei a chamar-me alguma coisa. Talvez sim, talvez não. Talvez não…
Tenho trinta e oito semanas e de me querer tanto e com tanta força a minha mãe cansou-se. Alguém vai ter que abrir a barriga da minha mãe porque eu já sofro com o impasse. Dizem. Alguém corta a barriga da minha mãe e um par de mãos agarra-me com firmeza. Nasço num impulso para o peito da minha mãe que me quer tanto que se cansou até não poder mais. Estou azul, não choro, não me mexo e o meu coraçãozinho não dá de si. Gero agitação à minha volta. Algo se passa. Alguns muitos minutos passados reajo aos tubinhos que me puseram. Tusso. O meu coração bate já com mais ânimo e já respiro por mim. Quero voltar. E volto num “bebé palerma!” que uma menina de caracóis que me olha agora enternecida diz num alívio alegre de quem vê dar-se vida com fôlego à Vida. Os meus pais querem-me muito e vão chamar-me Kevin.
A Vida fascina-me e espanta-me, desde que me conheço, sob todas as formas. Quando era pequena as larvas viravam borboletas. As andorinhas, os pardais e os melros, os ninhos e os ovos e as crias aconteciam sempre na mesma altura do ano e à espera que viessem aborrecia-me e, enquanto isso, havia plantas que brotavam de feijões em algodão húmido. E mais, muito mais. E por isso sempre tive muito a curiosa mania que era uma mania curiosa de espreitar todos os ninhos de pássaros que não transpusessem muito as minhas vertigens, bisbilhotar todos os ninhos de coelho e aqueles que os ratos faziam dentro dos tijolos largados nalgum sítio. Fiz canteiros de girassóis e, impaciente, esperei que a primeira haste irrompesse por entre os grumos de terra. E, quando surgia à luz, maravilhava-me a forma como a terra em torno daquele início que procurava o sol tinha sido mudada e naquele estático instante era como se a planta crescesse a um ritmo perceptível aos meus olhos e essa força se visse a esses olhos. Mas nunca como agora. Por detrás de muitas das portas dos corredores da maternidade um aparelhozinho amplia os sons dos corações dos bebés dentro de um pequeno mar ainda dentro das barrigas das respectivas mães. Através desse pequeno mar transmitem-se sons que lembram o bater rápido e ritmado dos pés para se avançar no mar grande. Fazer estes corredores às horas calmas que vêm com o fim do dia, quando já ninguém espera coisa nenhuma por estas bandas e a luz já é baixa, revela-se um verdadeiro espanto. Eu desacelero e deslumbro os tímpanos que também acho estarem no meu peito e lembro-me e acredito que “cada criança, ao nascer, nos traz a mensagem de que Deus ainda não perdeu a esperança no Homem”. E a Vida com “V” maiúsculo fascina-me e espanta-me, desde que me conheço, sob todas as formas… Mas nunca como agora. Tão frágil e tão robusta. Tão enigmática, tão única e e tão irrepetível. Tão dom em si mesma.
* * *

terça-feira, dezembro 02, 2008

(untitled)

Sorrio porque estas coisas da mãe-natureza me dão sempre vontade de fechar os olhos, abrir os braços e inpirar fundo ao mesmo tempo que estendo um sorriso na boca. E acho, sempre que o faço, que inspiro ou sol ou mar ou flores ou chuva ou descampados inteiros e que tudo me cabe no peito. E dou graças.
Um bom dia e um refrão.
* * *
"Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar.
Enquanto houver estrada para andar, enquanto houver ventos e mar, a gente não vai parar.
Enquanto houver ventos e mar."

quarta-feira, novembro 19, 2008

Earth Water

Chegou a Portugal, através dos hipermercados Continente, o projecto Earth Water, já está à venda e é água.
É também o único produto comercializado no mundo com o apoio do UNCHR (Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados).
Sob o lema you never drink alone - já que comprar uma embalagem de Earth Water equivale a dar de beber a um refugiado durante um dia - a Earth Water é uma água mineral, ambiental e socialmente resposável, cujo lucro reverte na sua totalidade a favor de programas de gestão de água nos países em desenvolvimento. São objectivos da Earth Water e do seu jovem fundador de nacionalidade canadiana, Kori Chilibeck:
Vender água engarrafada com o conceito de responsabilidade social ao mundo dito desenvolvido, fazendo reverter 100% dos lucros a favor do UNCHR, que serão usados em programas de abastecimento e tratamento de água para consumo nos países em desenvolvimento, onde todos os dias cerca de 6000 pessoas morrem devido à falta de água potável, 80% das quais crianças. Além disso pretende-se que seja um meio de sensibilização da comunidade mundial para o problema da escassez de água potável no nosso Planeta Azul...
Toca-nos.
Earth Water aqui.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Os Madredeus tinham uma música chamada "Coisas Pequenas" que dizia assim...

Coisas pequenas são / coisas pequenas / são tudo o que eu te quero dar / e estas palavras são / coisas pequenas / que dizem que eu te quero amar. / Amar, amar, amar / só vale a pena / se tu quiseres confirmar / que um grande amor não é / coisa pequena / que nada é maior que amar. / E a hora / que te espreita / é só tua. / Decerto, nao será /só a que resta; / a hora / que esperei a vida toda, / é esta. / E a hora / que te espreita / é derradeira. / Decerto já bateu / à tua porta. / A hora / que esperaste a vida inteira, / é agora.

sábado, novembro 08, 2008

Intrigam-me os pombos em Lisboa e o coração dos Homens

Em Lisboa há pombos de todos os cinzentos que se conhecem: cinzento claro, cinzento escuro, cinzento cinzento, cinzento arroxeado, cinzento esverdeado, entre outros cinzentos. Aninham-se aos meus pés com o papo já cheio das migalhas que ainda caem das mesas. Quem os vê, agora, não imagina como labirintavam ainda há pouco entre os pares de pés dos passinhos agitados das pessoas que por aqui passam. Se reduzir a escala as pessoas são os pombos e os pombos são as migalhas que caem das mesas e não há pombos para essas migalhas e as migalhas crescem à medida que caem e são, por fim, estorvos aos pés agitados que se sucedem neste canto da estação. Santa Apolónia. Pombos. Muitos pombos que subitamente se achegam (como diz a senhora que se sentou ao meu lado e que faz cair do guardanapo migalhas aos pombos). Aquele fica sem nada, acrescenta. E a migalha do outro é motivo de zaragata entre pombos que esvoaçam baixo e levantam penas e pó e migalhas no ar. Alguém devia dizer a estes pombos que o lugar dos pombos é nos jardins e que as estações de comboio são lugares das pessoas. E, a responderem, alguém deveria pensar trocar migalhas no chão da estação por lugares cativos nos jardins e os jardins seriam das pessoas e os lugares das pessoas seriam dos pombos. Eu cá diria: Senhor Pombo, consta-me que não se importaria – para não lhe dar hipótese - de arrulhar coisas bonitas à sua amada no chão de Santa Apolónia em troca de fartas migalhas. E, uma vez assentida a troca, alguém deveria propor aos pombos que cedessem as asas em troca do entendimento, que agora me davam mais jeito as asas sem rumos do que os rumos sem asas. Tenho para mim que os pombos, fartos da sua condição de bibelots nas prateleiras das fachadas dos edifícios, aprovariam de bom grado a troca.
E teríamos a exclusividade dos bancos dos jardins. E dadas asas aos corações dos Homens teríamos exclusividade nos ramos das árvores por cima dos bancos dos jardins e não haveria mais ponte nem haveria mais estrada nem mais lua nem mais estrelas nem mais das coisas que unem o que só não está encostado mas está rente. Inspiro com o diâmetro todo do meu peito. Fecho os olhos e passa um filme na parte de dentro das minhas pálpebras. No filme - o tal filme - há uma caixa que abro e não tem fundo mas tem, até cima, dias dentro, como eu tenho, até cima, sol por dentro. E não sei já se a caixa é caixa ou se a caixa é peito e se o conteúdo da caixa são dias ou desejos ou dias muito desejados. Mas a caixa abre-se aos meus olhos que estão por dentro dos olhos fechados e a esses olhos abertos depõem-se os portões de todos os jardins de Lisboa e alinham-se, de cada lado, todos os dias em todos os bancos, junto a todas as fontes, sob todas as fases da lua, como se se alistassem prenúncios e possibilidades de felicidade infindas.
Quero um dia para plantar uma árvore num jardim por precisar de um dia para aconchegar-lhe as raízes no solo. Quero um dia para imprimir essa Primavera nas palmas das mãos e um dia para regar essa árvore nesse jardim. Um outro dia para ver brotar as primeiras folhas e ainda outro para esperar pelos frutos que nascem depois de caírem as flores que vêm depois das folhas. Um dia para ver amadurecerem-se os frutos. Outro ainda para ver amarelarem-se as folhas e um outro para ver essas mesmas folhas cair. Um dia para caminhar sobre essas folhas e imprimir o Outono nas palmas dos meus pés chatos. Um dia para ver encarquilhar-se-lhe a casca e um outro para ver surgirem-lhe os líquenes. Quero estações a sucederem-se ao ritmo a que crescem as árvores e árvores que crescem ao ritmo a que vão chegando as estações. Quero dias a seguirem-se ao ritmo a que a lua cresce e mingua no céu e abraços compassados com a queda das folhas secas na caixa que não tem (ao) fundo. E nesse fundo quero um piano.
Quero dias, (de) Sol. Quero todos os dias.

terça-feira, outubro 28, 2008

Porque sim.


Oh, kiss me beneath the milky twilight
Lead me out on the moonlit floor
Lift your open hand
Strike up the band and make the fireflies dance
Silver moon's sparkling
So kiss me.

quarta-feira, outubro 15, 2008

Quality time.

De repente, os olhos são palavras

Quem fui? O que fui? O que somos?
Não há resposta.
Passámos. Não fomos. Éramos.
Outros pés, outras mãos, outros olhos.
Mas aprendi muito com a grande maré das vidas,
com a ternura da vista em milhares de olhos
que me viam ao mesmo tempo.

Pablo Neruda
10/10/08 - Margem Sul
En el mundo habrá un lugar para cada despertar un jardín de pan y de poesía.

sexta-feira, outubro 03, 2008

...

Preciso, às vezes, de uma certa luz que há a uma certa hora de certos dias - também não a todas as alturas do ano - num determinado sítio.
É por agora, penso, que o milagre acontece e as coisas tomam cada qual o seu tom pastel e alguém pinta o quadro mais sublime com as cores que julgo serem as minhas. As que os meus olhos mais apanham. As mais profundas.
É por agora, penso, imediatamente antes das maçãs do rosto me ficarem frias e o nariz me começar a pingar.
É por agora, penso, quando as gaivotas tomam a praia em dias como o de hoje, quando há nuvens brancas e baixas e sol. Um sol grande e a pôr-se. Um sol tão grande que parece perto.
É por agora, penso, por esta hora, que o milagre se dá.
De tantas vezes ver adivinho. Estou longe e adivinho o milagre a dar-se.
E se não tenho tempo de arrefecer as maçãs do rosto encardidas do sol da tarde, se já não fico até o nariz me pingar, passo a ponte com esta tela encaixilhada no espelho retrovisor e contento-me.
São dezanove horas e doze minutos e o sol não deve ainda sequer roçar a cordilheira de nuvens que estão pousadas no horizonte.
Dou-lhe quatro minutos. Dou quatro minutos ao sol e este pousa, enfim.
Sei que há no tempo que estas coisas demoram a paciência amorosa dos artistas.
É agora que as nuvens ficam da cor que as palmas das mãos têm quando, dadas, se aquecem. Uma cor que não puxa nem mais ao beije, nem mais ao roxo, nem tão pouco ao rosa e enquanto penso nisto destilam-se as cores de todas as coisas à minha volta.
E há gaivotas que se apossam da areia ao fundo e à minha esquerda, no quadro. São as que contemplam comigo o milagre. Há as que fazem o milagre, também. Vão e vêm, vagarosas, com a pouca ondulação que presumo que faça agora.
Penso que deve restar-me pouco mais do que meio sol e é agora do céu a cor das mãos que se estão a dar e as nuvens são da cor dos meus pés molhados e ao frio que daqui a pouco me vai arrefecer as maçãs do rosto e fazer-me pingar do nariz. E neles revelam-se, agora, todas as pedras com que no tempo se faz a areia. Brilhantes, pequenas, dão outra graça às minhas unhas e há um alaranjado, que se apura com o sol a pôr-se, nos meus ombros, nos meus pulsos, nos meus joelhos, nos meus tornozelos. Talento do artista consumado no ângulo da luz.
E por haver artista julgo que volta e meia me passa para as mãos as paletes e espera que me desembarace. São as cores do meu tempo. Pastéis, esbatidas.
Descuido-me e também já eu sou tela nas suas mãos e com o sol já escondido por trás das nuvens o alaranjado, antes nas minhas formas, é agora contorno brilhante das nuvens cinzentas que amuralham o sol. Tão brilhante que diria que algo acontece ao sol por esta altura, atrás das nuvens. A última pincelada. Agrada-me.
Sou eu, agora, das cores pastel que desceram do quadro e só assim faço mesmo meu o milagre do fim da tarde a uma certa hora de certos dias, também não a todas as alturas do ano, num determinado sítio.
Todos os sentidos me tocam as cores e aos olhos do artista sou do tom do fermento que leveda, do cheiro da água que se perde no ar do fim da tarde, do sabor do mar que seca ao ar na minha pele, dos sons crepitosos da espuma, das conversas indecifráveis entre as gaivotas, das ondas que rebentam aos meus pés, da cor das nuvens, ao frio.
Fica a faltar-me o tacto ao toque das mãos que, dadas, se aquecem e tomam a cor que têm as nuvens não roçadas, por enquanto, por um sol que é tão grande a ponto de parecer pôr-se perto.

sexta-feira, setembro 19, 2008

"Aiiiiiiiiiiiiiiiiiiii... a minha vida!"

Tenho umas saudades de escrever. Aqui.
Logo. Amanhã. Ou além. Vou escrever.
Talvez pudesse o tempo parar. Quando tudo em nós de precipita. Quando a vida nos desgarra os sentidos. E não espera, ai quem dera. Houvesse um canto pra se ficar. Longe da guerra feroz que nos domina. Se o amor fosse um lugar a salvo. Sem medos, sem fragilidade. Tão bom pudesse o tempo parar. E voltar-se a preencher o vazio. É tão duro aprender que na vida. Nada se repete, nada se promete. E é tudo tão fugaz e tão breve. Tão bom pudesse o tempo parar. E encharcar-me de azul e de longe. Acalmar a raiva aflita da vertigem. Sentir o teu braço e poder ficar. É tudo tão fugaz e tão breve. Como os reflexos da lua no rio. Tudo aquilo que se agarra já fugiu. É tudo tão fugaz e tão breve.
MafaldaVeiga, Fragilidade

quarta-feira, julho 02, 2008

sexta-feira, junho 20, 2008

Sem título.

Há ocasiões, há alturas, de tempo e de serem altas demais para me atirar delas, em que me vem a cobardia de querer de volta o ninho que conheço às cegas, o asilo que há nos lugares pequenos, a água nos ouvidos que dilui os sons, a posição enroscada que resguarda o que é mais íntimo, o que é mais frágil, o que quero intacto.
Quero o útero primeiro. A Tuas duas mãos em concha à beira do planalto alto. A possibilidade de ficar sempre até saber bater as asas.
E nesses momentos corro atrás dos lugares onde mais Te encontro. Estás nos pinheiros de flores simples, singelas. Nos animais que os habitam, no seu canto. E estás nas pinhas que acomodam sementes, possibilidades imensas de novas árvores. Estás nas copas que não deixam o sol ferir os olhos. No santuário onde um colo me espera sempre que o procuro. E quando caminho, se me der conta, estás nas agulhas que se quebram e me dão a certeza de encetar de novo o caminho para o meu caminho.
E então volto-me para regressar. E assim que me volto sou eu o útero primeiro, a árvore que abriga e oferece os sons alegres, que acomoda todas as possibilidades. E sou de novo Teu santuário nos dias que vão correndo, lugar para Ti. E é em mim que Te procuro, e para Ti dentro de mim que corro, quando se abre, ao sol que fere os olhos, o que é mais íntimo, o que é mais frágil, o que quero intacto.

domingo, maio 25, 2008

Por Te revelares.

Há um Deus e um Cristo que nas palavras brancas de tão puras e sinceras dele são amor e sentido para a Vida que se revelam nele mesmo que é o miúdo que há entre quarenta e um de Espírito Santo ainda fresco que não baixa os olhos que se levanta e se chega à frente para responder à provocação do bispo e que sem que a voz lhe trema por um instante que seja diz que Tu és o Amor que és o Perdão que és a infinita possibilidade de se voltar atrás para se fazer bem feito com os olhos postos em Ti exemplo da maior das entregas e então nele para nós...




...revelas-Te!

domingo, maio 18, 2008

Hum... escolho...

"Nada te espanta, nada te encanta, nada te tomba ou te levanta, sem passar dentro de ti."

"Tu és a escala, a mão que embala. Tomas bem conta de ti. Tu és a escala, a mão que embala. Tens um rumo a seguir."

"E nada te atrasa, nada te arrasa, nem que no céu percas uma asa. Vais pegar de novo em ti."


Sobre Jorge Cruz:

Nasci na Praia da Barra, no seio de uma família descendente de padeiros e guardas fiscais. O meu pai era treinador de futebol e a minha mãe cozinheira de chanfanas. Fiz a escola primária num colégio de freiras onde fui introduzido à fé e à religião. Aos fins-de-semana visitava militantes do PRP na prisão de Custóias. Com 10 anos, parti para Angola. Estudei na Escola dos Flamingos Cor-de-Rosa, Lobito, Benguela. Fui aprendiz de pesca em mar-alto sob vigilância de militares cubanos. Iniciei o treino em ginástica desportiva com o campeão mundial russo Lev Smedianov, embora a composição de refrões pop tenha afectado o meu rendimento. De regresso a Portugal, e já depois da morte de José Afonso, vivi na Charneca da Caparica, escrevi letras de hip-hop e formei um duo com o guitarrista Rui Jorge Abreu. Aos 15 anos, voltei à Praia da Barra onde celebrei casamento com uma jovem fotógrafa praticante de body-board. Fui basquetebolista. Li os existencialistas e formei o power-trio Superego que gravou em 1998 o disco "Quem Concebeu o Mundo Não Lia Romances" aclamado pela crítica por ter capa sépia. Ao vivo os Superego abriram para Sérgio Godinho e Jorge Palma e podem ser acusados de ter interrompido músicas para baixar do palco e participar em rixas. Com o segundo disco "A lenda da Irresponsabilidade do Poeta" (2001) fecharam a sua história inscrita num manifesto cómico-radical que não lhes granjeou amizades. Pelo meio editei 300 exemplares de canções acústicas gravadas em cassete baptizadas de "O Pequeno Aquiles". Licenciei-me em psicologia. Assinei os papéis de divórcio e fui tocar nas ruas de Barcelona e Santiago de Compostela. Estagiei com o músico guineense Oli Silva. Formei uma Fanfarra de música tradicional portuguesa de fusão. Dormi na Lagoa do Fogo e ouvi o "Time Out Of Mind". Fui investigador na Universidade do Porto, àrea de feminismo e psicologia política. Em 2003, gravei o álbum "Sede" que viria a ser editado pela NorteSul. Dediquei-me à escrita de short-stories e romances de amor. Na primavera de 2006, formei 4 bandas e fui para a Sra. da Hora gravar "Poeira", colecção de 11 canções que conta com a colaboração de alguns dos músicos portugueses de minha predilecção nas áreas do rock, jazz, reggae e música tradicional. Esperei pelo S. João para me despedir dos hospitais portuenses e mudei-me para Lisboa onde me iniciei nas profissões de bartender, porteiro e ensaísta. Sou Jorge Cruz, 32 anos, vagabundo amador, alquimista, escritor de canções.

http://www.myspace.com/jorgecruzpoeira

sexta-feira, maio 16, 2008

(sonhei)

"A noite passada um paredão ruiu
pela fresta aberta o meu peito fugiu
estavas do outro lado a tricotar janelas
vias-me em segredo ao debruçar-te nelas
Cheguei-me a ti disse baixinho "olá"
toquei-te no ombro e a marca ficou lá
o sol inteiro caiu entre os montes
e então olhaste depois sorriste
disseste "ainda bem que voltaste."

Sérgio Godinho


domingo, maio 11, 2008

Da razão de haver pardais no lugar de andorinhas, nas traves do alpendre, este ano.

Quisesse o tempo criar-te um espaço que se abrisse só com a intenção de te trazer para dentro da minha casa, como se fosses o desconhecido mais confiável que passa a esta hora da (minha) noite. Porque tenho para mim - que vou sendo com tempo - que do tempo que nos cabe só arrecadamos realmente os desconhecidos certeiros que convidamos para o nosso lar. Se os sentamos à mesa que temos no canto que é o mais agradável, se lhes damos a beber o melhor chá onde ensopem as melhores bolachas, com a manta mais quente sobre os joelhos, fazemos dos piores acasos os nossos mais ilustres hóspedes.
Há que impedir-lhes a entrada. Correr com eles, se for preciso.
Ainda que com o Tempo passem à nossa porta, de braço dado, o Medo com a Angústia, atrás de quem sigam a Desilusão e o Desencanto, envaidecidos de sua Tristeza, havemos de apressar-nos a apresentar-lhes o Amor, o Entusiasmo e a Alegria, que estarão para surgir no outro passeio da estrada e que seguem, de mãos dadas, para despachá-los sem lhes darem tempo. E hão-de vencer-se discórdias no tempo que dura estender um sorriso na boca. Crê quando digo que hão-de vencer-se guerras nas notas dos nossos risos.
Se soubermos onde guardámos as chaves que abrem as portas, se as portas abertas disserem da nossa entrega, se o tempo que entrar sacudir os pés e carregar para dentro os momentos em que construímos verdadeiramente, seremos os melhores moradores de nós mesmos, anfitriões da mais bela festa.

quarta-feira, abril 30, 2008

sexta-feira, abril 25, 2008

Onde é que eu já vi isto?!

e tu e eu a descobrir o ar
não é preciso correr
não é urgente chegar
o que é preciso é viver.
Vagos 19/04

domingo, abril 20, 2008

Anda lá, Senhor!...

I

Senhor Jesus,
ensinai-me a ser generoso
a servir-Vos como Vós mereceis
a dar-me sem medida
a combater sem cuidar das feridas
a trabalhar sem procurar descanço
a gastar-me sem esperar outra recompensa,
senão saber que faço a Vossa vontade santa.

Ámen.



II

eu sei que somos muito mais
se nos olharmos tão fundo de frente
se a minha vida for por onde vais
a encher de luz os meus lugares ausentes
é que eu quero-te tanto
não saberia não te ter
é que eu quero-te tanto
é sempre mais do que eu te sei dizer
mil vezes mais do que eu te sei dizer

mafalda veiga


segunda-feira, fevereiro 25, 2008

Prárrebitar(es)

"à procura, procura do vento. Porque a minha vontade tem o tamanho de uma lei da terra. Porque a minha força determina a passagem do tempo. Eu quero. Eu sou capaz de lançar um grito para dentro de mim, que arranca árvores pelas raízes, que explode veias em todos os corpos, que trespassa o mundo. Eu sou capaz de correr através desse grito, à sua velocidade, contra tudo o que se lança para deter-me, contra tudo o que se levanta no meu caminho, contra mim próprio. Eu quero. Eu sou capaz de expulsar o sol da minha pele, de vencê-lo mais uma vez e sempre. Porque a minha vontade me regenera, faz-me nascer, renascer. Porque a minha força é imortal."
José Luis Peixoto

sábado, fevereiro 23, 2008

Quando digo...

"É impossível!..."

"Tudo é possível."
(Lucas 18:27)
Um bom dia.

sábado, fevereiro 09, 2008

É(s) tão bom!

Vale a pena ver castelos no mar alto, vale a pena dar o salto...

É tão bom uma amizade assim, ai, faz tão bem saber com quem contar.

Eu quero ir ver quem me quer assim.

É bom pra mim e é bom pra quem tão bem me quer.

Vale a pena ver o mundo aqui do alto, vale a pena dar o salto!

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

E eles?...

Ela... Em cada gesto perdido, tu és igual a mim. Em cada ferida que sara, escondida do mundo, eu sou igual a ti. Fazes pintura de guerra que eu não sei apagar. Pintas o sol da cor da terra e a lua da cor do mar. E ele... Em cada grito da alma eu sou igual a ti. De cada vez que um olhar te alucina e te prende, tu és igual a mim. Fazes pinturas de sonhos, pintas o sol na minha mão. E és mistura de vento e lama entre os luares perdidos no chão. E ela... Em cada noite sem rumo tu és igual a mim. De cada vez que procuro, preciso de um abrigo eu sou igual a ti. Faço pinturas de guerra que eu não sei apagar. E pinto a lua da cor da terra e o sol da cor do mar. E ele... Em cada grito afundado eu sou igual a ti. De cada vez que a tremura desata o desejo tu és igual a mim. Faço pinturas de sonhos e pinto a lua na tua mão. Misturo o vento e a lama, piso os luares perdidos no chão.

terça-feira, janeiro 08, 2008

Tem dias.

Há plásticos pretos nos postes dos candeeiros e luto académico na faculdade.
Um pé fora da porta e dá para perceber do ar que é quente e húmido e do céu cinzento está para chover. Água, ou assim. Quem dera, respostas.
Desço a Rua das Pretas, dói-me a cabeça e devo ter má cara porque ouvi um “Jeitosa!”, baixinho, entre dentes, de um sujeito, de bigode, escuro de sujidade e barba mal desfeita que se cruza comigo no passeio. Já dizia, há muito, a música: “São os loucos de Lisboa…”. Ainda eu não sei o quanto.
Estou a faltar a uma aula teórica sobre fármacos que modificam a transmissão opiácea e não me pesa.
Hoje saí de casa ainda a tempo de ver apagarem-se, de uma vez só, todas as lâmpadas dos postes de iluminação, ainda sem haver grande claridade. Não que hoje tivesse havido, de todo, grande claridade. Tem dias.
Resolvi-me, ainda agora, a voltar para casa de autocarro. O metro exige mais de mim do que hoje já me disponho a dar. Subo a Avenida da Liberdade. Não toda. Vou de phones com a Susana Félix a dizer-me que “enquanto vergo não parto, enquanto choro não seco” e há turistas chineses, a sorrir, de mochila às costas, na paragem do autocarro que entretanto chega.
Entro, valido o passe, há muita gente em pé e, com as mãos cheias de tralha, mando com o guarda-chuva em alguém que acaba a balbuciar meia dúzia de responsos.
Sigo e há dois pares de lugares vazios lá no fundo. Abro caminho e sento-me e há tanto trânsito e eu passo pelas brasas. Algumas paragens a seguir, não sei já quantas, entra um homem. Gordo, cabelo grisalho desalinhado. Aspecto geral normal apesar de descuidado. Idade aparente de uns 40 anos.
Aproxima-se para se sentar atrás de mim. Tem, agora mais de perto, caspa na camisola azul de gola redonda. Por todo o lado.
Senta-se, vasculha nuns sacos de plástico, rabisca umas coisas num caderno e quando não espero “Olhe, posso pedir-lhe uma informação?”. Eu “Claro, diga”. Tira, do saco, um sapato verde-escuro, acalcanhado e de atacadores. Não dou conta e ele, meio debruçado sobre o banco, aproxima de mim o sapato para que eu pudesse ver-lhe a palminha clara. Ele, arrastado, como se tivesse mimo na fala: “Isto está sujo ou está limpo?”. E eu “Está limpo!”. E ele “E é para sujar?”. E eu “Não, não é para sujar”. “Muito obrigado!”, “De nada.” e o sapato volta ao saco.
Hoje saí de casa ainda a tempo de ver apagarem-se, de uma vez só, todas as lâmpadas dos postes de iluminação, ainda sem haver grande claridade. Por esta altura já estão, outra vez, acesas. Dói-me a cabeça e não vejo a hora de aterrar na cama. Já não devo ter má cara. O caminho a pé até casa é tranquilo e, só por hoje, não finto os verdes e vermelhos nas cinco passadeiras consecutivas que habitualmente me consomem a paciência.
Hei-de descalçar-me e , a sorrir, analisar as minhas palmilhas. “Isto está sujo ou está limpo?”, “Está limpo!”. “E é para sujar?”…
“Não, não é para sujar”. Mas também tem dias.