quinta-feira, dezembro 04, 2008

03 / 12 / 08

Tenho umas dezasseis semanas tão pouco mais curtas do que os dezasseis anos da minha mãe que não me quer! Vim à urgência com uma dor dela mas que era uma dor que ela não tinha. Só não me quer a mim e às minhas já seis semanas a mais do que as dez. Não me quer com as minhas dezasseis semanas e essa dor é já a minha dor. Alguém lhe explica que há seis semanas que não tenho as dez semanas que ela quer. Ela faz que não quer acreditar. Diz que não sabia de mim apesar da barriga que não engana ninguém. Não me engana a mim. Não engana ninguém. E espantam-se. Devolve com desprezo a minha primeira fotografia e vira costas. Onde vai? Para onde me carrega? Não sei se chegarei a chamar-me alguma coisa. Talvez sim, talvez não. Talvez não…
Tenho trinta e oito semanas e de me querer tanto e com tanta força a minha mãe cansou-se. Alguém vai ter que abrir a barriga da minha mãe porque eu já sofro com o impasse. Dizem. Alguém corta a barriga da minha mãe e um par de mãos agarra-me com firmeza. Nasço num impulso para o peito da minha mãe que me quer tanto que se cansou até não poder mais. Estou azul, não choro, não me mexo e o meu coraçãozinho não dá de si. Gero agitação à minha volta. Algo se passa. Alguns muitos minutos passados reajo aos tubinhos que me puseram. Tusso. O meu coração bate já com mais ânimo e já respiro por mim. Quero voltar. E volto num “bebé palerma!” que uma menina de caracóis que me olha agora enternecida diz num alívio alegre de quem vê dar-se vida com fôlego à Vida. Os meus pais querem-me muito e vão chamar-me Kevin.
A Vida fascina-me e espanta-me, desde que me conheço, sob todas as formas. Quando era pequena as larvas viravam borboletas. As andorinhas, os pardais e os melros, os ninhos e os ovos e as crias aconteciam sempre na mesma altura do ano e à espera que viessem aborrecia-me e, enquanto isso, havia plantas que brotavam de feijões em algodão húmido. E mais, muito mais. E por isso sempre tive muito a curiosa mania que era uma mania curiosa de espreitar todos os ninhos de pássaros que não transpusessem muito as minhas vertigens, bisbilhotar todos os ninhos de coelho e aqueles que os ratos faziam dentro dos tijolos largados nalgum sítio. Fiz canteiros de girassóis e, impaciente, esperei que a primeira haste irrompesse por entre os grumos de terra. E, quando surgia à luz, maravilhava-me a forma como a terra em torno daquele início que procurava o sol tinha sido mudada e naquele estático instante era como se a planta crescesse a um ritmo perceptível aos meus olhos e essa força se visse a esses olhos. Mas nunca como agora. Por detrás de muitas das portas dos corredores da maternidade um aparelhozinho amplia os sons dos corações dos bebés dentro de um pequeno mar ainda dentro das barrigas das respectivas mães. Através desse pequeno mar transmitem-se sons que lembram o bater rápido e ritmado dos pés para se avançar no mar grande. Fazer estes corredores às horas calmas que vêm com o fim do dia, quando já ninguém espera coisa nenhuma por estas bandas e a luz já é baixa, revela-se um verdadeiro espanto. Eu desacelero e deslumbro os tímpanos que também acho estarem no meu peito e lembro-me e acredito que “cada criança, ao nascer, nos traz a mensagem de que Deus ainda não perdeu a esperança no Homem”. E a Vida com “V” maiúsculo fascina-me e espanta-me, desde que me conheço, sob todas as formas… Mas nunca como agora. Tão frágil e tão robusta. Tão enigmática, tão única e e tão irrepetível. Tão dom em si mesma.
* * *

1 comentário:

Anónimo disse...

Não é necessário o aparelhozinho para sentir no coração palavras tão inspiradoras como as tuas!!!
Beijinho grande em ti!
A Bé Do Lado