segunda-feira, abril 27, 2009

"Eu queria ter barra nesse cais / p'ra quando o mar ameaça a minha proa."

Entre Santarém e Vila Franca de Xira há uma boa parte do caminho-de-ferro que por esta altura fica ladeada por dois corredores imensos de malmequeres amarelos entre os quais aparecem papoilas vermelhas a salpicar o cenário aqui e ali. Há quatro anos que reparo neste quadro muito Monet e há quatro anos que o acho só bonito.

Mas ontem precisava daqueles malmequeres ali para me lembrarem que volta e meia há flores a ladear caminhos que são de liberdade, opções que tomámos um dia, escolhas como as que agora me fazem apanhar o comboio ao Domingo, sendo muitas mais as vezes em que entro com ânimo do que as vezes em que entro sem ele. Ainda assim há dias em que a falta de vontade para travar as minhas lutas vem com um cansaço que me deixa ao espelho embaciado a criar interrogações sérias e a pensar. E quanto mais penso mais concluo que são as escolhas mais livres que nos dão os maiores trabalhos. Felizmente, e na maior parte das vezes, o espelho vai-se desembaciando ao longo do dia.

O trabalho está em arranjarmos uma e outra vez razões, que não se gastem, para levarmos adiante aquilo por que optámos, um dia, em consciência. Certa de que também eu vou mudando, preciso às vezes de subir à árvore, esperar que Passes e que me Chames e que me Ordenes a minha parte. Não quero esquecer-me do dia em que – reparo agora que há já tantos anos – se fez luz e entendimento em mim. Quero lembrar-me do dia, da hora, das cores que inspiram agora cada dia meu que nasce para prosseguir segura de que os malmequeres amarelos devem é nascer à medida que avanço livre neste meu sentido único.

* * *

Há uns bons tempos "encontrei-me" com este senhor.

Há uns dias "auto-mimei-me" com um dos dois livros que reúnem muita da obra que já estava publicada mais dispersamente e alguns inéditos.
Só há umas horas - porque cada poema é lido e cada adjectivo mastigado até apurar o sentido que o autor lhe daria se o tivesse escrito para mim - encontrei este e fiquei a pensar se algum dia este senhor não se terá, de facto, encontrado comigo, também.



SARA

Sara senta-se nos degraus das casas destruídas

Sara é o nome do deserto
É o nome da videira estéril
É o nome à espera de ter filhos

Sara está velha de estar
Sozinha. Está sentada e desfaz
A bainha dos seus vestidos.

Daniel Faria

terça-feira, abril 14, 2009

Quem é que não gosta de Coca-Cola? Quem é que não quer ser feliz?

Até agora a Coca-Cola só fazia bem à diarreia.

Agora faz bem ao espírito, também.

"Estás aqui para seres feliz!"

=)

segunda-feira, abril 13, 2009

[escapes]

tinha aprendido que era muito importante criar desobjectos.
certa tarde, envolto em tristezas, quis recusar o cinzento. não munido de nenhum artefacto alegre, inventei um espanador de tristezas.
era de difícil manejo – mas funcionava.


"às vezes uma chuva molhada é uma coisa boa para escorregar momentos em direcção a mim. quando uma chuva molhada cai sobre o mundo redondo, as coisas da vida e a vida das coisas encontram-se num quintal vasto. foi sob uma chuva molhada em canduras que encontrei as barbas do meu pai num poema e o sorriso da minha mãe noutro. foi nas entrelinhas dum poema ensopado que encontrei, várias vezes, a autorização interna pra falar a palavra amor [vou tentar não apagar isto: eu tenho certo receio da palavra amor, espero só que ela não me tenha receios também; seria triste].
foi com as mãos sujas de restos de amor que estiquei uma madrugada. quando digo a palavra madrugada também sinto um esticão no coração. se agora abuso muito das madrugadas é porque cada uma delas tem restos de amor que eu sempre vou perdendo. qualquer dia acumulo esses restos todos e faço uma construção de amor [talvez chame uma mulher pra se encostar ao outro lado dessa construção]. a palavra amor pode ser um labirinto com mais de catorze lados avessos. depois de esticar uma madrugada encosto a madrugada na minha pele e espero. a pele gosta de ser esculpida de novo muitas vezes na vida.
se puser um «v» na palavra esticar, poderei estivar uma madrugada. aí elevo-me a estivador de madrugadas e posso pensar num caixote com luar, um caixote com geada, caixotes pesados de estrelas, caixotes de nuvens carregadas de pingos, um caixote hermético com lágrimas, uma caixinha de costura com restos concretos de amor.
as palavras são muito bonitas também porque têm significados cicatrizados nelas – falo a palavra kwanza e sou invadido pelas belezas de um rio e o sol todo a bater-lhe nas peles da água escura que ele tem. o rio transporta o barro e os peixes e nunca ninguém se queixou de cócegas. há qualquer coisa de jangada na palavra rio. liberdade seria abraçar um jacaré sem lhe apetecer provar-me. eu queria fazer festinhas na carcaça antiga de um jacaré mas se ele me fizer festinhas magoa-me. vou olhar o jacaré de longe e o rio de perto – provar as minhas mãos nele. a pele do rio tem mais espelho que a minha e que a do jacaré. o céu e o sol gostam de verter reflexos nas peles paradas do rio kwanza e eu gosto de saber isso com os meus olhos atónitos de humidade. ali onde o mar beija o rio a espuma celebra o evento com pássaros que perseguem peixes. assim a poesia seja salobra ou salgada.
seria bonito ver os mangais depositarem raízes num poema meu – era a minha maior alegria fluvial.
há qualquer coisa de sapiência na palavra tristeza. e algumas tristezas não são de espanar – um dia posso descobrir que elas me fazem falta e ter que ir buscá-las na lixeira da catin ton.
vou encher-me de silêncios e imitar as pedras. adormecer entre as pedras pode ser que me contagie delas. depois de conseguir ser pedra vou exercitar o sorriso dessa pedra que eu for. com esse sorriso vou iniciar uma construção...
uma construção pode bem ser o lado avesso de uma certa tristezura."




materiais para confecção de um espanador de tristezas, ondjaki


domingo, abril 05, 2009

"Gosto de ti como quem gosta do Sábado."

Madrinha, madrinha... podemos brincar à apanhada sem tirar um dos pés da areia?
...
'Bora lá.

...