quinta-feira, março 19, 2009


o poema não tem mais que o som do seu sentido,
a letra p não é primeira letra da palavra poema,
o poema é esculpido de sentidos e essa é a sua forma,
poema não se lê poema, lê-se pão ou flor, lê-se erva
fresca e os teus lábios, lê-se sorriso estendido em mil
árvores
ou céu de punhais, ameaça, lê-se medo e procura
de cegos, lê-se mão de criança ou tu, mãe, que dormes
e me fizeste nascer de ti para ser palavras que não
se escrevem, lê-se país e mar e céu esquecido e
memória, lê-se silêncio, sim, tantas vezes, poema lê-se silêncio,
lugar que não se diz e que significa,
silêncio do teu
olhar de doce menina, silêncio ao domingo entre as conversas,
silêncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida
, silêncio
de ti, pai, que morreste em tudo para só existires nesse poema
calado, quem o pode negar?, que escreves sempre e sempre, em
segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem.
o poema não é esta caneta de tinta preta, não é esta voz,
a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
o poema é quando eu podia dormir até tarde nas férias
do verão e o sol entrava pela janela, o poema é onde eu
fui feliz e onde eu morri tanto
,
o poema é quando eu não
conhecia a palavra poema, quando eu não conhecia a
letra p e comia torradas feitas no lume da cozinha do
quintal, o poema é aqui, quando levanto o olhar do papel
e deixo as minhas mãos tocarem-te, quando sei, sem rimas
e sem metáforas, que te amo,
o poema será quando as crianças
e os pássaros se rebelarem e, até lá, irá sendo sempre e tudo.
o poema sabe, o poema conhece-se e, a si próprio, nunca se chama
poema, a si próprio, nunca se escreve com p, o poema dentro de
si é perfume e é fumo, é um menino que corre num pomar para
abraçar o seu pai, é a exaustão e a liberdade sentida, é tudo
o que quero aprender se o que quero aprender é tudo,
é o teu olhar e o que imagino dele,
é solidão e arrependimento,
não são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são
bibliotecas a arder de versos contados e não é o poema, não é a
raiz de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos
conhecer o que possuímos e não possuímos nada, não é um
torrão de terra a cantar hinos e a estender muralhas entre
os versos e o mundo, o poema não é a palavra poema
porque a palavra poema é uma palavra, o poema é a
carne salgada por dentro, é um olhar perdido na noite sobre
os telhados na hora em que todos dormem,
é a última
lembrança de um afogado, é um pesadelo, uma angústia, esperança.
o poema não tem estrófes, tem corpo, o poema não tem versos,
tem sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se
com grãos de areia e beijos, pétalas e momentos, gritos e
incertezas,
a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
a palavra poema existe para não ser escrita como eu existo
para não ser escrito, para não ser entendido, nem sequer por
mim próprio, ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares
onde sou, o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos,
o poema é o meu rosto, que não vejo, e que existe porque me
olhas, o poema é o teu rosto, eu, eu não sei escrever a
palavra poema, eu, eu só sei escrever o seu sentido.

José Luis Peixoto

O poema não se escreve com letras. O poema é quando os amigos se lembram de nós.

Obrigada, Patrícia.

Um beijinho...


quinta-feira, março 12, 2009

domingo, março 08, 2009

"Mestre, como é bom estarmos aqui!" Mt 17, 1-9

Porque confiei que Tu me darias sempre outra oportunidade para que eu voltasse uma e outra vez e pudesse beber do essencial das primeiras fontes.
Porque precisava deste tempo a sós Contigo e com o outro que caminha comigo, porque não trilho veredas sozinha em momento algum, porque há Vida, há Luz, há Esperança.
Porque deponho as máscaras de quase todos os dias e sou mais eu quando estou Contigo. Sou mais Eu, assim, no tempo que faço Teu, nos braços que me esperam e me acolhem sem perguntas ou ressentimento, nos momentos em que a Palavra se revela verdadeiro pão e sacia, como poucas vezes, a minha fome do Teu estar, do Teu Amor.
Porque não há no mundo lugar maior ou mais seguro do que aquele por onde Tu andas quando eu Te deixo andar comigo.
Porque só este é para mim o sentido autêntico do tempo que me cabe, que não tenho mais nem outro.
Porque os sonhos perdem a forma e o tamanho de tão extravasados. Porque o entusiasmo perde os limites que lhe vou pondo. Porque a vontade e o ânimo perdem a medida que têm tido. E, por fim, esvazia-se o copo repleto que não levava o essencial.
E tudo parece ficar a ser mais do que possível. Mesmo muito mais do que possível.
Amen.


"Pegadas na areia, / um trilho teu, / talvez o que quiseste marcar. /De pegada em pegada / deixei o meu trilho marcado / numa areia, numa vida / sempre contigo ali ao meu lado, ao meu lado."

segunda-feira, março 02, 2009

Da Quaresma, do jejum, da abstinência... e de outras coisas.

"Não jejueis como tendes feito até hoje, se quereis que a vossa voz seja ouvida no alto.
(...) O jejum que eu aprecio é este - oráculo do Senhor Deus:
Abrir as prisões injustas,
desatar os nós do jugo,
deixar ir livres os oprimidos,
quebrar toda a espécie de jugo;
repartir o teu pão com o esfomeado,
dar abrigo aos infelizes sem asilo,
vestir o nú,
e não desprezar o teu irmão.
(...) Se tirares da tua casa toda a opressão, o gesto ameaçador e o falar ofensivo;
se deres pão ao faminto, e saciares a alma do pobre
(...) então encontrarás a tua felicidade no Senhor."


Isaías, 58