terça-feira, dezembro 30, 2008

"(...) Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. (...) Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer. Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive."
Procura-se um amigo, Vinicius de Moraes

sexta-feira, dezembro 26, 2008

À beira da decisão é sempre o lugar mais difícil de se estar.


Os dias que passaram são dos mais propícios do calendário aos desejos, aos votos, às intenções de qualquer coisa. Oferecem-se e recebem-se presentes, visita-se a família menos chegada e acolhe-se em casa quase sempre só aquela que é a mais querida. A televisão amolece-nos o coração com as carências e os rostos que parecem ausentes no resto do tempo e lá se faz a boa acção do Natal desse ano. Fazem-se votos de boas festas a quem se cruza connosco, força-se um perdão numa zanga antiga, põe-se uma nota maior na caixa das esmolas, deixam-se uns brinquedos à porta de uma instituição, não importa: à mesa da consoada faz-se por que sobeje mais do que comida e não falta o sossego na consciência. Ainda que as Boas Festas saiam não sentidas entre a pressa de chegar não sei onde e sacos de compras, que o perdão seja fugaz, que não se procurem os frutos das nossas esmolas ou se fique à porta da instituição, sem se entrar para não se conhecer. Posto assim nem é que soe mal de todo. Mas é possível mais!
Parece-me sempre que nem chegamos a dar na medida daquilo que recebemos. E como recebemos muito mais nesta altura damos mais mas acabamos a dar só um pouco mais do que no resto todo do ano. E os Natais sucedem-se fartos de coisas, pobres de sentido e iguais ano após ano.
Lembro-me, por exemplo, dos que tendo alternativa melhor escolhem passar a noite mais longa do ano com os sem-abrigo nas rondas nocturnas habituais que lhes garantem a refeição quente, completa e muitas vezes única do dia ou a servirem numa consoada improvisada que reúne numa tenda os que normalmente habitam os vãos de escadas, os passeios sob varandas, os cantos mais escondidos e envergonhados das cidades, os que são literalmente as margens da sociedade que somos todos. E digo margens e não marginais porque como as moedas nada neste mundo tem um só lado, um só e único sentido. Ser margem deixa de ser só estar à parte quando ao fazer-se experiência com estas margens nos fica a vontade de atracar, de ancorar e não mais seguir incauto num qualquer afluente que não é verdadeiro rio. E nunca vamos tarde!
Passada uma semana sobre o Natal chegará outro dia onde desejos, votos e intenções serão senhores a que brindaremos com taças cheias. Doze passas com doze desejos para os mais tradicionais ou corajosos ou optimistas. Doze passas para uma única resolução de Ano Novo para mim. Desta vez “pouco, pequeno e possível”, como ouvi há dias.
A ver se vou longe.

domingo, dezembro 21, 2008

2

nada entre nós tem o nome da pressa.
conhecemo-nos assim, devagar, o cuidado
traçou os seus próprios labirintos. sobre a pele
é sempre a primeira vez que os gestos acontecem. porém,

se se abrir uma porta para o verão, vemos as mesmas coisas –
o que fica para além da planície e da falésia; a ilha,
um rebanho, um barco à espera de partir, uma palavra
que nunca escreveremos. entre nós

o tempo desenha-se assim, devagar.
daríamos sempre pelo mais pequeno engano.

Maria do Rosário Pedreira

*

quarta-feira, dezembro 17, 2008

Embalo II

You're a part time lover and a full time friend. The monkey on you're back is the latest trend. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. Here is the church and here is the steeple. We sure are cute for two ugly people. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. We both have shiny happy fits of rage. I want more fans, you want more stage. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. You are always trying to keep it real. I'm in love with how you feel. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. I kiss you on the brain in the shadow of a train. I kiss you all starry eyed, my body's swinging from side to side. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. The pebbles forgive me, the trees forgive me. So why can't, you forgive me? I don't see what anyone can see, in anyone else. But you. Du du du du du du dudu. Du du du du du du dudu. I don't see what anyone can see, in anyone else. But you.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Embalo.


Daydreamer, sittin’ on the seat / Soaking up the sun, he is a real lover, makin’ up the past and feeling up his girl like he’s never felt her figure before. / Jaw-dropper / Looks good when he walks, is the subject of their talks. / He would be hard to chase, but good to catch and he could change the world with his hands behind his back, Oh… You can find him sittin’ on your doorstep. / Waiting for the surprise. / It will feel like he’s been there for hours and you can tell that he’ll be there for life. Daydreamer, with eyes that make you melt, he lends his coat for shelter plus he’s there for you when he shouldn’t be, but he stays all the same, waits for you and then sees you through. There’s no way I could describe him / All I say is, just what I’m hoping for / But I will find him sittin’ on my doorstep / Waiting for the surprise /It will feel like he’s been there for hours / And I can tell that he’ll be there for life / And I can tell that he’ll be there for life.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

03 / 12 / 08

Tenho umas dezasseis semanas tão pouco mais curtas do que os dezasseis anos da minha mãe que não me quer! Vim à urgência com uma dor dela mas que era uma dor que ela não tinha. Só não me quer a mim e às minhas já seis semanas a mais do que as dez. Não me quer com as minhas dezasseis semanas e essa dor é já a minha dor. Alguém lhe explica que há seis semanas que não tenho as dez semanas que ela quer. Ela faz que não quer acreditar. Diz que não sabia de mim apesar da barriga que não engana ninguém. Não me engana a mim. Não engana ninguém. E espantam-se. Devolve com desprezo a minha primeira fotografia e vira costas. Onde vai? Para onde me carrega? Não sei se chegarei a chamar-me alguma coisa. Talvez sim, talvez não. Talvez não…
Tenho trinta e oito semanas e de me querer tanto e com tanta força a minha mãe cansou-se. Alguém vai ter que abrir a barriga da minha mãe porque eu já sofro com o impasse. Dizem. Alguém corta a barriga da minha mãe e um par de mãos agarra-me com firmeza. Nasço num impulso para o peito da minha mãe que me quer tanto que se cansou até não poder mais. Estou azul, não choro, não me mexo e o meu coraçãozinho não dá de si. Gero agitação à minha volta. Algo se passa. Alguns muitos minutos passados reajo aos tubinhos que me puseram. Tusso. O meu coração bate já com mais ânimo e já respiro por mim. Quero voltar. E volto num “bebé palerma!” que uma menina de caracóis que me olha agora enternecida diz num alívio alegre de quem vê dar-se vida com fôlego à Vida. Os meus pais querem-me muito e vão chamar-me Kevin.
A Vida fascina-me e espanta-me, desde que me conheço, sob todas as formas. Quando era pequena as larvas viravam borboletas. As andorinhas, os pardais e os melros, os ninhos e os ovos e as crias aconteciam sempre na mesma altura do ano e à espera que viessem aborrecia-me e, enquanto isso, havia plantas que brotavam de feijões em algodão húmido. E mais, muito mais. E por isso sempre tive muito a curiosa mania que era uma mania curiosa de espreitar todos os ninhos de pássaros que não transpusessem muito as minhas vertigens, bisbilhotar todos os ninhos de coelho e aqueles que os ratos faziam dentro dos tijolos largados nalgum sítio. Fiz canteiros de girassóis e, impaciente, esperei que a primeira haste irrompesse por entre os grumos de terra. E, quando surgia à luz, maravilhava-me a forma como a terra em torno daquele início que procurava o sol tinha sido mudada e naquele estático instante era como se a planta crescesse a um ritmo perceptível aos meus olhos e essa força se visse a esses olhos. Mas nunca como agora. Por detrás de muitas das portas dos corredores da maternidade um aparelhozinho amplia os sons dos corações dos bebés dentro de um pequeno mar ainda dentro das barrigas das respectivas mães. Através desse pequeno mar transmitem-se sons que lembram o bater rápido e ritmado dos pés para se avançar no mar grande. Fazer estes corredores às horas calmas que vêm com o fim do dia, quando já ninguém espera coisa nenhuma por estas bandas e a luz já é baixa, revela-se um verdadeiro espanto. Eu desacelero e deslumbro os tímpanos que também acho estarem no meu peito e lembro-me e acredito que “cada criança, ao nascer, nos traz a mensagem de que Deus ainda não perdeu a esperança no Homem”. E a Vida com “V” maiúsculo fascina-me e espanta-me, desde que me conheço, sob todas as formas… Mas nunca como agora. Tão frágil e tão robusta. Tão enigmática, tão única e e tão irrepetível. Tão dom em si mesma.
* * *

terça-feira, dezembro 02, 2008

(untitled)

Sorrio porque estas coisas da mãe-natureza me dão sempre vontade de fechar os olhos, abrir os braços e inpirar fundo ao mesmo tempo que estendo um sorriso na boca. E acho, sempre que o faço, que inspiro ou sol ou mar ou flores ou chuva ou descampados inteiros e que tudo me cabe no peito. E dou graças.
Um bom dia e um refrão.
* * *
"Enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar.
Enquanto houver estrada para andar, enquanto houver ventos e mar, a gente não vai parar.
Enquanto houver ventos e mar."