quinta-feira, janeiro 11, 2007

"Não sabe o tempo, nem sei eu, por quanto tempo mais dará para estender isto (...) que quase chega a roçar a loucura."

Há uma enfiada de portas fechadas desde aqui até aí. São portas todas iguais, alinhadas pelas fechaduras que, de tão estreitas, não deixam chegar aqui a claridade que faz aí.
De quando a quando, se o sol se digna a espraiar-se até aqui, chega a perceber-se que, mesmo assim, por aí o dia é bem mais solarengo.
As portas não têm número nem dono seguro. Hoje são mais as minhas. Amanhã vão ser mais as tuas e depois também serão. Sim, porque são sempre mais vezes tuas.
E os passos que me separaram da primeira porta foram dados antes dos teus. Já foram andados. Depois, fiquei quieta. Uma mão na chave, outra no puxador e o joelho contra a porta.
Aí, as portas devem ter trincos e fechaduras que pões e tiras constantemente. Para salvaguardares esse lado, penso. Mas não tens necessidade, digo. A parte das portas que me cabe muda com o mudar do tempo. Como a parte das portas que te cabe. Assim, não tens por que fazê-lo. Garantires a primeira porta trancada, quando ninguém desimpede o caminho, da enfiada de portas que existem, sozinho? Não tens necessidade, garanto.
Desse lado há um passo dado de tempos a tempos. E adivinho nele a intenção de outro trinco. Sim, porque não sei se os pões. Digo-o por dizer, porque só conheço a fechadura deste lado. E a madeira que desvanece os sons, até da certeza dos passos daí me priva.
Há momentos em que uma mão larga a chave e depois a outra o puxador. O joelho já dói e fica só a testa contra a porta. Se me deixo sentar na soleira fria da primeira porta, da fechadura, que de tão estreita não me permite clarezas nem certezas, vem um olhar dado e estranhamente retribuído, um sorriso forasteiro no canto do lábio e um gesto percebido que acaba, inevitavelmente, com um passo precipitado e escusado dado atrás. E outro adiante, que se lhe segue. E nesse, dado para diante, inventas outra volta para a chave. Quase de certeza. Porque não ouço.
Mas não tens por que dá-la. Desse lado não deves perceber quando digo que não tens por que dá-la. Nem que me conviesse - e convém - depor todas as portas, há sempre aquelas que cabem só aos movimentos que tu próprio dás no sentido de as abrir.
Exclusivamente a ti.
Por isso, não te percas a resguardar esse lado.
Há uma enfiada de portas desde aqui até aí. São portas todas iguais, alinhadas pelas fechaduras. E dessas competem-te as bastantes para, sem esforço extra, ficares, naturalmente, protegido.

1 comentário:

Nino disse...

woooohhhh
Foste tu que escreveste?

Tens o dom... continua!

Kiss