segunda-feira, janeiro 01, 2007

1 de Janeiro de 2007 quase a passar a 2.

Crónica: Notas desprendidamente soltas.

“Se eu te pudesse dizer o que nunca te direi, tu terias que entender aquilo que nem eu sei.”

Fernando Pessoa
Hoje apetece-me deixar-me estar. Ficar só assim.
Agachar-me com a guitarra, a um canto, e, a olhar, ficar. Só assim.
Imaginar-te trilhar dolorosamente, e numa demora de perfeição, cada traste e cada corda e, por tentativas, adivinhar daí o resultado de cada nota puxada a um dedilhado.
Distinguir tonalidades no som. É o que faço.
(Consomes, deliberadamente, tempo.)
(E, instintivamente, vem o jeito que dás ao queixo - chegas-te - para apurares a afinação.)
E o gosto. Ah… o gosto.
Desemaranho só - mas que bastem - os ternos. E os doces. Que me sobra já o azedume das ilusões. E, por isso, não quero mais.
E o cheiro. Rebusco, também, o cheiro.
(Hoje, o teu cheiro fechou-me as pálpebras.)
Ainda ouço a primeira que estiraste. No tempo que demora a desapegar-se do dedo e a deixar-se largar, até que finalmente soa, esquadrinho as razões que ainda não encontraste, mas que fazes de conta que tens. Como na vida a sério – mas aqui é só o canto e eu nele, com a guitarra comigo.
E os motivos. E sim. Enquanto a unha arranha toda a espessura de nylon ainda há tempo para os motivos, os inconvenientes, as justificações.
E as desvantagens. E o “Não, porque não”. E o ponto que pões a seguir e que acaba com tudo. Mesmo ali.
E é aí que ela soa.
A segunda.
Grave, imperativa, constrangedora.
Então apresso-me. E num esforço meu, e teu de que não dás conta, puxas outra.
Outra.
Não me digas que é mais aguda, suave, compreensiva. É só menos grave, mas imperativa e constrangedora. Sim.
E outra. Escuta! Puxa outra!
(Tempo. Dás-lhe tempo. E eu acabo sempre a dar-lhe tempo, também.)
Demorei-me e não lhe percebi a intenção. Encolho-me, sem remédio, até doer nas apófises espinhosas contra o muro. Está muito frio no canto.

(Tempo. Mais tempo?)

Apressa-te, que eu sofro!
Quero a vida trinada nas duas oitavas mais agudas!

Aras Sé Amu Aicácsap

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